Rede de Observatórios de Segurança

O futuro da Maré ameaçado pelo Estado que mais mata

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event 16 de março de 2023

Por Wellerson Soares*

A edição sete do boletim Direito à Segurança Pública na Maré, feito pela ONG Redes da Maré, mostra que 2022 registrou um aumento de 145% no número de mortes em operações policiais nos últimos três anos. Os números são ainda mais reveladores quando analisadas as características desses óbitos: nove entre dez mortes tinham indícios de execução, cerca de 87% das 39 vítimas de armas de fogo.

O choro e o lamento pelas perdas são apenas um aspecto dessa anatomia tão cruel da segurança pública no Rio de Janeiro, que entrega mais de mil mortes por ano. O principal agente desse caos é a força policial. Os policiais são responsáveis pela execução de um violência letal que tira vidas e paralisa o funcionamento de toda uma comunidade.

Somado às mortes brutais, o boletim aponta inúmeras afetações causadas por operações policiais nas 16 comunidades que compõem o Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio. Foram 27 ações de policiamento ocorridas no passado. 62% das incursões ocorreram próximas a escolas e creches, sendo responsáveis por 15 dias de paralisações das atividades escolares na comunidade. E os profundos impactos das paralisações já são percebidos. Estudantes do 5º ano de instituições de ensino público que registraram seis ou mais ocorrências de operações policiais no entorno, tiveram uma perda de 64% do aprendizado esperado em Língua Portuguesa e perda total no aprendizado em Matemática que o aluno deveria adquirir nessa etapa de ensino. Os dados são do relatório “Tiros no Futuro: Impactos da guerra às drogas na rede municipal de Educação do Rio de Janeiro”, publicado pelo CESeC no ano passado.

Outras 67% das ocorrências aconteceram nas proximidades de postos de saúde, o que ocasionou o fechamento das unidades por 19 dias. Além disso, foram mais 283 violações de direitos humanos. Dentre elas, estão invasão a domicílio, violência física, dano a patrimônio,  violência psicológica, tortura, subtração de pertences, cárcere privado, ameaças e assédio sexual.

A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro diz que suas ações “são precedidas de planejamento prévio, sendo desencadeadas dentro de protocolos técnicos e do previsto na legislação vigente”. Contudo, esse planejamento parece não levar em consideração os direitos de mulheres, crianças, homens, idosos à educação, à saúde e à vida. 

 

Perfil das vítimas

O boletim também confirma, mais uma vez, o perfil padrão de vítimas das polícias do Rio. Das 39 mortes de 2022, 97% eram homens; 81% foram identificados como pretos ou pardos; e 61% tinham até 29 anos.

De acordo com o boletim Pele Alvo: a cor que a polícia apaga, da Rede de Observatórios, entre as 57 chacinas registradas no estado, com 3 ou mais mortes, em 30 delas a totalidade de vítimas eram negras. Ao todo, foram 155 vítimas e 138 delas eram pretas ou pardas.

Novembro foi o mês com mais mortes na Maré: nove. Foi também o mês da chacina que vitimou oito pessoas e deixou outras cinco feridas. Entre os mortos estava Guilherme Vilar Bastos, jovem negro de 19 anos. Segundo testemunhas e a família, ele estava desarmado e mesmo assim foi alvejado por pelo menos cinco balas. As últimas palavras que teria ouvido vieram de um polícia, que disse: “Hoje você vai morrer, neguinho”.

Enquanto o futuro e o desenvolvimento de comunidades inteiras estiver à mercê de uma política de segurança descontrolada, a única visão no horizonte será a do caveirão subindo a favela para deixar corpos no chão.

Leia o boletim Direito à Segurança Pública na Maré: https://bit.ly/404mlPt

Wellerson Soares é jornalista da Rede de Observatórios*

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