Participação social na Bahia: A eficácia da ineficiência
Em fevereiro de 2015, nove policiais militares foram acusados de matar 12 jovens negros no bairro do Cabula, em Salvador. O governo e a Justiça baiana buscaram um desfecho rápido para o caso, em que, num primeiro momento, todos os agentes foram absolvidos. “[A polícia] é como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol, disse na ocasião o governador Rui Costa.
A chacina ilustra a atuação em conluio de mecanismos do estado para a produção e o apagamento sistemático de mortes negras dentro das comunidades baianas. Amplificado nas ruas, o caso se tornou um marco na cidade, revelando com nitidez o processo de produção de morte pelo aparelho do estado. A sociedade civil baiana produziu inúmeras declarações e ações, assim como denúncias a organismos internacionais para divulgar o ocorrido, além de buscar a federalização da investigação sobre as mortes.
Há, no entanto, uma limitação das organizações da sociedade civil em face da amplitude da questão negra na Bahia e do tamanho gigantesco do aparato antinegro nas estruturas do estado. Os altíssimos índices de produção de mortes decorrem não só da violência letal e intencional por parte de agentes públicos, mas também dos investimentos públicos distribuídos segundo a lógica da necropolítica. Nesta lógica, o que o estado, a mídia e parte da sociedade fingem ser ineficiência do poder público é justamente a eficácia do modelo que organiza a soberania do poder estatal sobre os corpos de comunidades periféricas. Esta é a questão atual que, ancorada em estruturas do passado colonial, diz muito sobre o presente, e busca ofuscar possibilidades de futuro.
As principais vítimas da guerra travestida de política de segurança têm as suas experiências de sobrevivência atacadas sistematicamente, e as suas formas de produzir e significar a própria existência sequestradas e enquadradas pelas normas, normativas e regras de instituições alheias às suas questões, que produzem as próprias narrativas, apagando ou se beneficiando das experiências periféricas em uma via de mão única, não de troca. Porém, pulsam cada vez mais fortes na cidade experiências diversas, que buscam destituir essas autocondecorações embranquecidas, esse sequestro de protagonismo, esse silenciamento.
Algumas dessas experiências estão conectadas com um processo histórico, no qual produzir o vocabulário da resistência a partir de linguagens diversas permite existir. A força está nos slams, organizados por jovens das periferias de Salvador; nos grupos comunitários; nas batalhas; no teatro produzido pela juventude negra baiana. E se encontra, também, nas organizações negras, que propõem novas conexões entre os atores sociais e procuram saídas próprias para as condições precárias herdadas de um estado que foi centro da colônia no Brasil, construindo coletivamente ações de resistência.
A Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD) investe em outras formas de participação que permitam o fortalecimento da rede de colaboração e resistência dentro das nossas comunidades, bem como a ampliação da participação democrática do conjunto da sociedade. Para isso, atua em espaços como os conselhos de direitos humanos, o Fórum Popular de Segurança Pública e o Fórum de Redução de Danos, conectados a coletivos culturais e de juventude, movimentos sociais, sociedade civil organizada e o poder público.
Nesse sentido, a Iniciativa Negra é um espaço que fomenta a articulação e a mobilização nas agendas de segurança pública, na política sobre drogas, no sistema de justiça, na redução de danos, em saúde mental e direitos humanos. A partir de um conjunto de compromissos, estudos e estratégias de incidência política, a INNPD busca integrar as pautas e as redes que atravessam o campo da política de drogas, construindo soluções pacíficas e reparatórias.