Pesquisadores de segurança e violência formam rede
Pesquisadores de várias instituições do Rio de Janeiro estarão reunidos no dia 1º de julho para criar a Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos. O encontro, aberto, vai reunir especialistas como Michel Misse, Kant de Lima, Luiz Eduardo Soares, Julita Lemgruber, Jaqueline Muniz, João Trajano e Marcelo Burgos estarão no encontro, às 17h, no Salão Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.
“Este é um campo tradicional e organizado de pesquisa, mas que nunca se articulou entre si. A criação da Rede pode contribuir fortemente para potencializar as energias que já são dedicadas a essa área”, diz a coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, Silvia Ramos.
A Rede também vai reunir pesquisadores de instituições não universitárias. Entre as organizações convidadas, estão representantes do IPEA, ISER, Observatório de Favelas, Redes da Maré, Fogo Cruzado, Instituto Igarapé, Anistia Internacional Brasil, Fórum Grita Baixada, Casa Fluminense, Instituto de Tecnologia e Sociedade, Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Justiça Global, e Instituto Pereira Passos (IPP). Integrantes de centros de pesquisas de entidades jurídicas, como o Ministério Público do Rio de Janeiro, Defensoria Pública e OAB serão parte da Rede.
No evento, será divulgada uma carta aberta, que chama de “escândalo humanitário” o número de vítimas de violência letal intencional no país – em 2017, 65.602 pessoas morreram – e o fato de que 75% dos mortos são negros. “O Brasil é um país cujo Estado protege desigualmente a vida e a integridade física de seus cidadãos”, afirma o documento.
O texto também descreve um cenário de agravamento dos discursos de violência por parte do estado e de ações e reações letais por forças de segurança e grupos criminais. Um contexto que também afeta os que trabalham com o tema. “Esse momento de crescimento da violência verbal produz muita solidão e angústia. A rede também tem o sentido de ser um espaço de vocalização e proteção intelectual de pessoas que estão dedicando suas vidas à pesquisa”, completa Silvia Ramos.
Veja abaixo a íntegra do documento que será apresentado:
REDE FLUMINENSE DE PESQUISAS SOBRE VIOLÊNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS
CARTA ABERTA
Segurança pessoal, ou seja, direito à vida e à integridade física e liberdades civis são, juntamente com a subsistência básica, os direitos humanos mais elementares, sem os quais nenhum outro direito é fruído.
O Atlas da Violência de 2019 mostra que, em 2017, tivemos 65.602 pessoas vítimas de violência letal intencional no Brasil, das quais 75,5% são negros.
Somos um país em que a taxa de mortes é 43,1 por 100 mil habitantes entre cidadãos negros e 16 por 100 mil habitantes entre cidadãos brancos. O escândalo humanitário desses números se aprofunda, se atentamos que esta disparidade é crescente: os negros foram 63,3% dos assassinados em 2007, num crescente que levou aos 75,5% de 2017. A sistematicidade desses assassinatos, seu viés racial e sua escala numérica são próprias de graves violações de direitos humanos e crime contra a humanidade. O Brasil é um país cujo Estado protege desigualmente a vida e a integridade física de seus cidadãos.
Os assassinatos são a ponta do iceberg dessas graves violações: antes dessas mortes e concomitantemente a essas mortes, as vidas são podadas nas liberdades civis elementares, as pessoas alteram suas pequenas rotinas e hábitos pelo medo da violência que as cerca, alteram os caminhos pelas quais se movimentam, os lugares que frequentam, as associações de que participam, a expressão do que pensam, as propriedades que carregam consigo.
Na história da violência e da segurança no estado do Rio de Janeiro, há mais de duas décadas a violência se caracteriza pela presença enraizada de grupos criminais armados – ou facções do tráfico ou milícias – que dominam áreas de bairros e regiões do estado de forma ostensiva. Políticas de segurança baseadas em tiroteios, enfrentamento armado do varejo da venda das drogas nas favelas e periferias da região metropolitana e mais recentemente do interior do estado predominam, se sucedem e fracassam desde o final dos anos 1980. São as práticas de segurança pública – sua ênfase nos confrontos e na violência letal e sua fragilidade em investigação capaz de enfraquecer e desarticular os grupos criminais – que definem as principais características do cenário fluminense.
Pesquisadores e pesquisadoras dos fenômenos da violência, da segurança e dos direitos humanos se dedicam dentro de universidades, em organizações sociais e jurídicas e em organizações locais a produzir conhecimento baseado em evidências científicas e empíricas e a divulgá-lo. Algumas vezes esse(a)s pesquisadore(a)s se tornam vítimas de ameaças à sua integridade física e principalmente moral. Os cenários recentes, tanto na esfera nacional como estadual incluem o agravamento dos discursos de violência por parte de autoridades do estado, acirramento de ações violentas e letais no âmbito estadual e reações violentas por parte de grupos criminosos. No meio deste processo encontram-se populações oprimidas por forças armadas, defensore(a)s de direitos, ativistas e pesquisadore(a)s.
Nesse contexto, hoje, em 1º. de julho de 2019, criamos a Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos.
Rio de Janeiro, 1º. de julho de 2019, Salão Nobre, IFCS/UFRJ