Piauí vive cotidiano bélico com política do ‘deixa morrer’
Por Elton Guilherme dos Santos Silva*
Piauí tornou-se rota do tráfico internacional de drogas e o epicentro das disputas violentas entre organizações criminosas. O estado “fecha” fronteiras do nordeste, onde estão localizados alguns dos principais destinos turísticos do país e os portos marítimos, por onde segue para o mercado europeu, ou seja, para o lucrativo mercado de substâncias proibidas, a região litorânea de Parnaíba é vista com grande importância estratégica se comparável com outras cidades piauiense.
A presença das organizações, seja no litoral do Piauí, seja na capital, se expressa através da disputa pelo monopólio do mercado do tráfico de drogas nos territórios, através da violência. As organizações que aqui chegam, fortalecem gangues e galeras reincidentes, aumentando seu poder bélico e avançando para as mais diversas periferias do estado. Isto é, grupos até então estabelecidos, são incorporados às fileiras das organizações criminosas e agora com o poder armamentista delas.
Atualmente o Primeiro Comando da Capital (PCC) e Bonde dos 40 (B40) apresentam prevalência nas disputas na capital e interior do estado, com atuação direta no tráfico de drogas e no aumento circunstancial de crimes letais, as consequências dessa sociabilidade de guerra são expressas sistematicamente nos altos índices de violência letal que acomete, principalmente, o segmento juvenil.
De acordo Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSPI) em 2020, 51,14% das vítimas de crimes violentos letais intencionais tinham a faixa etária entre 0 a 29 anos. Em 2021, o Piauí teve a quinta maior alta de assassinatos nos primeiros nove meses deste ano na comparação com o mesmo período de 2020. Segundo apontado pelo Monitor da Violência[1], até setembro de 2021, 538 pessoas foram vítimas de crimes violentos intencionais no Piauí, sendo que 86 aconteceram em Parnaíba. A maior parte dos crimes é de homicídios dolosos (512), em seguida latrocínios (23), e por fim, as lesões corporais seguidas de morte (3).
Ao final de 2021, Teresina e Parnaíba viveu o que podemos chamar de cotidiano bélico. Lembremos do emblemático caso da Maria Luiza, mulher, mãe, de 22 anos, que foi morta a tiros enquanto amamentava a filha que também foi ferida na mão, em novembro, em Parnaíba. O grau de coisificação da existência do outro, soa como um aviso que essa guerra não terá pausa ou repouso e que “a rota” do tráfico de drogas vem deixando uma pilha de corpos jovens mortos no caminho.
Os números assustam. Nas últimas semanas de novembro, Teresina registrou 11 mortes violentas. Essa realidade marginal vem se aplicando e estabelecendo a morte de jovens como norma há pelo menos quatros anos com pouca ou e nenhuma intervenção do estado nesse tocante, por isso, interessa perguntar: quais são as medidas direcionadas à jovens em risco eminente de morte? Quais políticas públicas existente com fim de estagnar a letalidade juvenil?
No contexto piauiense, a deliberação do deixar morrer, baseia-se, essencialmente, numa consciência que naturaliza certas mortes – e apenas estas. Adianta-se que a falta de comprometimento com a redução nos índices de criminalidade violenta, desencadeia genocídios e (des)arranjos políticos, que equivalem aos estudos que ancoram suas teorias no conceito de “Necropolítica” do filosofo camaronês, Achille Mbembe (2018) que fazem referência às “formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte”. Necropolítica, essencialmente como “política de morte”, com poder de decidir quem pode viver e quem deve morrer.
Ou seja, a forma que o Estado se volta (ou não se volta) para certos grupos e populações vulnerabilizadas pode ser um fator crucial para suas vidas ou mortes, para acessar as instâncias de cidadania e dignidade ou para terem suas vidas ainda mais precarizadas.
A culpabilização de jovens aparece para o Estado como um descaso com os segmentos juvenis e principalmente com os jovens pobres, pois a culpabilização do outro sem o entendimento da situação experimentada, acompanhado de respectivas ações, parece indicar o eximir-se de pensar políticas públicas específicas e legislar sobre a questão, tornando-se assim partícipe, e até promotor, dessa relação de segregação ao passo que o aumento da letalidade juvenil experimenta o silêncio intencional e descaso das políticas públicas.
* Pesquisador do Observatório do Piauí