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Política de repressão ao tráfico escancara racismo institucional

event 28 de setembro de 2023

Por Ricardo Moura

A política de repressão ao tráfico de entorpecentes, no Brasil, costuma atuar sobre os suspeitos de sempre: a população pobre, preta e periférica. É o que mostrou o estudo publicado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senad/MJSP), e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Dividida em dois relatórios, a pesquisa traçou uma radiografia sobre como a Lei de Drogas (11.343/2006) é aplicada no Brasil, começando pela fase inicial, de coleta de provas e apreensão, até a sentença judicial. As informações contemplam dados sobre os réus, testemunhas e policiais presentes em mais de cinco mil autos processuais das justiças federal e estaduais. O principal alvo de todo esse esforço institucional, contudo, é o jovem não-branco e de baixa escolaridade. Na grande maioria dos casos, ele costuma portar quantidades relativamente pequenas de droga no momento em que é preso. A cor da pele e o “comportamento suspeito” são fatores decisivos para a abordagem. Na prática, trata-se do racismo institucional aplicado com toda sua força.  

Em um terço dos casos, os réus afirmam que a droga se destinava ao uso pessoal, enquanto 49% alegaram ser usuários ou sofrer com a dependência química. Além disso, metade das prisões em flagrante ocorreu em via pública, praça ou parque e, em quase 33% das ocorrências, os acusados foram detidos em sua própria residência. Desse total, apenas 15% contaram com mandado judicial. Dinheiro e celulares são os principais itens apreendidos. Balança, armas e munições são encontrados em cerca de 20% das apreensões. 

O retrato que se apreende dessas informações ilustra bem como a política de guerra às drogas está fortemente concentrada no “varejo” do tráfico. O mercado de drogas, além de violento, apresenta-se como uma porta de entrada para o mundo do crime. Desenvolver estratégias de saída desse circuito criminal é tarefa urgente, mas esse é um trabalho pouco presente nas políticas governamentais. O que vemos é a arregimentação de tais jovens em organizações criminais cada vez mais fragmentadas e disseminadas em território nacional. As facções e as milícias emergem como protagonistas na gestão dessa economia paralela que se ampara e se alimenta do proibicionismo e cujas vítimas prioritárias são, justamente, as pessoas que dão suporte a esse empreendimento.

Não à toa, a percepção de quem opera no sistema de justiça é a de que está “enxugando gelo”. O elevado índice de réus que afirmam sofrer de dependência é um sinal importante de que o uso de entorpecentes precisa ser compreendido como uma questão de saúde pública e não apenas de polícia. Diante do diagnóstico trazido pelo estudo, cabe ainda ao Ministério da Justiça e Segurança Pública rever a atuação das polícias a partir de sua eficácia. Manter uma atitude militarizada, de confronto incessante, não tem resolvido em nada essa situação.

As duas publicações podem ser lidas na íntegra nos links abaixo:

Pesquisa: perfil_produção_provas

Pesquisa: Perfil_processado

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