Sistema prisional em ebulição desafia governos do Nordeste
Por Ricardo Moura*
Por muitos anos, o sistema penitenciário era compreendido como uma pauta secundária pelos governantes. Pouca atenção se dava às prisões, os escolhidos para assumir as pastas nem sempre eram especialistas da área e o setor contava com poucos investimentos.
Esse contexto precarizado fez do Rio Grande do Norte palco do episódio mais recente de ações violentas promovidas por organizações criminosas. Mais de 40 cidades foram alvos de ataques a ônibus, carros, prédios, estabelecimentos comerciais e instituições públicas esta semana. Conforme informações preliminares divulgadas pela imprensa local, os “decretos” para os ataques partiram do Complexo de Alcaçuz, maior presídio do estado.
Os presos protestaram contra o fim da visita íntima, a retirada de ventiladores e TVs das celas, bem como a restrição do uso de telefones celulares. A ação seria coordenada pelo Sindicato do Crime, facção fundada em 2013. Em um “salve” que circula pelas redes sociais assinado pela organização, a situação dos detentos foi descrita da seguinte forma: “A população carcerária do estado do RN vem passando por opressões, humilhação, desrespeito, vivendo em uma situação degradante a qual o crime vem sofrendo (texto editado para melhor compreensão)”.
Se antes as rebeliões eram o principal instrumento para reivindicar a atenção da sociedade, os atentados coordenados a prédios públicos e à infraestrutura urbana são a ferramenta mais utilizada atualmente para pautar as más condições de vida enfrentadas pelos presos. As imagens de ônibus incendiados e prédios destruídos ganham as redes e amplificam o sentimento de medo da população em retomar suas atividades diárias.
Enquanto os presos viviam em relativo isolamento, manter-se alheio às suas demandas não era tão difícil. Esse cenário se modificou por vários motivos. Entre eles, destacam-se dois bastante interligados: a facilidade de comunicação entre os detentos e suas redes de contatos fora das grades e a atuação de organizações criminosas no interior dos presídios em todo Brasil.
Tudo igual no Ceará
O Ceará, por exemplo, enfrentou situação semelhante por duas vezes no ano de 2019. Na ocasião, os detentos exigiam a renúncia do Secretário da Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque, que havia sido recém-empossado pelo então governador Camilo Santana (PT) no começo de seu segundo mandato. Embora os atentados tenham sido registrados por quase um mês e repercutido internacionalmente, o titular da pasta manteve-se no cargo e foi um dos poucos a serem reconduzidos pelo atual governador Elmano de Freitas (PT).
Por coincidência, Mauro Albuquerque havia comandado a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Rio Grande do Norte (Sejuc), entre 2017 e 2018, antes de assumir a pasta no governo cearense.
As situações vividas no Rio Grande do Norte e no Ceará são uma mostra da complexidade do desafio posto aos novos governantes. Não se pode mais falar em segurança pública sem levar em consideração a situação dos presídios. Além das ruas, as organizações criminosas se mostram um adversário poderoso da agência estatal na gestão prisional, com suas demandas próprias e elevado poder de fogo. O que está em jogo é a disputa pela capacidade de regulação de territórios e, no interior deles, das condutas individuais. Os atentados são um sinal bastante visível dessa tensão definidora da esfera de atuação de cada um dos oponentes.
Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios*