Rede de Observatórios de Segurança

As “saidinhas” no centro da arena política

event 18 de janeiro de 2024

Por Adyel Beatriz*

A possibilidade da saída temporária de presos, conhecida popularmente como “saidinha”, voltou ao centro do debate após a morte do sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, em Belo Horizonte, no dia 8 de janeiro. Ele foi baleado durante uma perseguição a um criminoso que havia deixado a prisão no Natal. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem defendido arduamente a discussão pela Casa do fim deste direito. 

A revogação das saídas gera risco ao direito fundamental de pessoas presas, porque, quando foram condenadas tinham expectativa concreta de que poderiam restabelecer laços. O benefício está previsto no artigo 122 da Lei de Execução Penal e, atualmente, pode ser concedido até cinco vezes ao ano para pessoas do regime semiaberto, ou seja, quem já pode deixar o presídio em algum momento, visitar a família, estudar e desenvolver alguma atividade de ressocialização. 

Tais liberações temporárias constituem estratégias visando integrar o detento à sua comunidade de origem, garantindo, desse modo, a presença de laços fora do ambiente prisional. Essa iniciativa é, fundamentalmente, um método para evitar a reincidência criminal ao reintegrá-los à sociedade.

O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto de 2022, mas, desde março de 2023, está na Comissão de Segurança Pública do Senado. O texto que propõe a revogação do direito à “saidinha” aguarda votação e está em discussão na Comissão de Segurança Pública, sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Os deputados favoráveis encontram-se em uma das alternativas apontadas por parlamentares da oposição, prevendo a permissão do benefício apenas aos detentos autorizados para trabalhar e estudar fora dos presídios.

O argumento dos defensores do projeto fica apoiado no populismo penal, quando a popularidade política de uma abordagem criminal é mais importante do que sua eficácia real no combate ao crime, fenômeno observado ainda mais em períodos eleitorais, e na política do medo inserido na população. No entanto, tais saídas não se refletem em um aumento da criminalidade.

Criminalidade e populismo

Os números não estão alinhados ao argumento de aumento de crimes durante os períodos de saídas temporárias. Por exemplo: de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, 95,45% dos reeducandos retornaram após os indultos concedidos no final de 2022, indicando uma alta taxa de cumprimento das regras. 

De acordo com os dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça, de janeiro a junho de 2023, 120.244 presos tiveram acesso à saída temporária em todo o país. Desses, 7.630 não retornaram, se atrasaram na volta à unidade prisional ou cometeram uma falta no período da saída, o que representa uma parcela de 6,3% do total de beneficiados. Ou seja, 93,7% dos presos beneficiados cumpriram as condições estabelecidas.

Contradizendo as justificativas do texto da revogação do direito, o Infopen de 2019 divulgou que apenas 0,99% dos presos não retornaram ao sistema penitenciário após o término do indulto. Em São Paulo, na última década, mais de 94% das pessoas saíram temporariamente e voltaram para as unidades prisionais. Entre 2020 e 2021, quase 95% das pessoas receberam o benefício e retornaram para o cárcere.

No Piauí, um estudo mostrou que dos 388 beneficiados, 99% retornaram para o presídio. Apenas uma pessoa foi acusada de praticar crime. O retorno da quase totalidade dos presos liberados demonstra o progresso obtido na reinserção social dos apenados.

Encarceramento em massa, aumento da tensão em presídios e violações aos direitos humanos

O avanço da proposta também representa uma ameaça à situação já degradada de penitenciárias brasileiras. Com isso, o debate sobre a manutenção ou extinção desse benefício também levanta preocupações quanto ao aumento da tensão de facções e milícias pelo país e a deterioração das condições carcerárias. Em março de 2023, uma onda de violência atingiu vinte cidades no Rio Grande do Norte, resultando em aproximadamente 300 ataques motivados pelas más condições dos presídios.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Rio Grande do Norte possui atualmente 28 unidades prisionais, com 8.572 pessoas, das quais 3.512 estão em regime fechado e 2.109 são presos provisórios. O déficit de vagas no sistema é de 2.237. Somente no presídio de Alcaçuz, de acordo com o MNPCT, há uma média de 40 pessoas alojadas em celas projetadas para um máximo de 13 presos.

No relatório “Pele Alvo: a bala não erra o negro”, a escritora e coordenadora de Advocacy da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Juliana Borges, disse que “o desencarceramento é uma emergência. Ao realizarmos um raio-x da população prisional brasileira, fica fácil verificar esses abusos e dinâmicas de violência racializada no país. Mais prisão não significa menos criminalidade. Pelo contrário, tem significado mais marginalização, reforço de estigmas e assassinatos sociais”.

Diminuir as chances de ressocialização, com o fim das saídas temporárias, significa trabalhar para aumentar a população carcerária. Deixar mais pessoas presas é permitir que presos fiquem sob domínio do crime organizado e da crise penitenciária nos presídios do Brasil. 

Adyel Beatriz é assistente de comunicação da Rede de Observatórios*

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