Entre vinganças, sonhos e expectativas: 30 anos da chacina de Vigário Geral
Por Wellerson Soares*
Hoje (29), o Cristo Redentor ficará iluminado em verde simbolizando a esperança por dias melhores, pela justiça e pela paz. A iniciativa será em alusão aos 30 anos da Chacina de Vigário Geral, que chocou o país com a morte de 21 pessoas em uma operação-vingança envolvendo mais de 50 agentes.
Imaginou-se que um dos maiores eventos violentos da história do Rio de Janeiro representaria uma mudança de paradigma para a segurança pública estadual. No entanto, três décadas depois, o panorama é de descontrole: os grupos paramilitares se expandiram em quase 400% do território, as operações-vingança permanecem como modus operandi dos agentes – que são responsáveis por um terço das mortes violentas do Estado – e centenas de matanças coletivas seguem acontecendo de lá para cá. Dados do Geni/UFF apontam que os policiais foram autores de 629 chacinas entre 2007 e 2022.
Vigário Geral não foi o último ato dos grupos paramilitares, tampouco a última operação de revanchismo praticada por policiais. À época, na madrugada do dia 29 de agosto de 1993, cerca de 50 servidores públicos, entre policiais, bombeiros, guardas municipais e até garis reuniram-se para vingar a morte de quatro PMs, assassinados no dia anterior por integrantes de uma facção presente na comunidade. Do grande número de acusados, sete foram condenados, mas apenas quatro presos – e assassinados ao longo dos anos.
E é quando se perde um colega de farda que a tropa perde o controle. De acordo com a pesquisadora Terine Husek Coelho, a morte de um policial em serviço aumenta a chance de um civil ser morto no mesmo dia em 1150%. No dia seguinte, o percentual sobe para 350% e uma semana depois, em 125%.
O fenômeno não é exclusivo do Estado e nem uma responsabilidade somente dos policiais. No início de agosto, Bahia, Rio e São Paulo viveram dias de alta letalidade praticadas após as mortes de agentes. Nas três ocasiões, os governadores saíram em defesa das corporações, condenaram as vítimas e culpabilizaram terceiros pelos eventos violentos. Nenhuma responsabilidade ou plano de redução das mortes foi apresentado pelos chefes de executivo estadual. E assim vão usando a guerra às drogas e o racismo como combustível para exterminar jovens negros moradores das periferias.
O que se imaginou há 30 anos é que haveria um projeto para que chacinas como aquela não voltassem a acontecer ali ou em outras comunidades. Porém, não havia um plano para que Vigário Geral se tornasse um lugar livre da violência de grupos armados e da polícia. Nunca houve. Muito pelo contrário, de 1993 até hoje, o lugar protagonizou inúmeros casos de alternância de poder entre o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro (TCP) – esse último recentemente completou 15 anos estabelecido na favela, com direito a uma grande estrutura para comemorar.
A segurança pública, as polícias, a relação com os grupos criminais e a política de alta letalidade parecem fazer parte de um barril de pólvora prestes a explodir. Nunca se sabe quando uma nova chacina pode acontecer, tampouco quantas serão as vítimas. O fato é que quando um policial morre em serviço as chances de vingança aumentam, o descontrole aumenta e a contagem de corpos também. 30 anos depois, e o Rio de Janeiro está iluminando o símbolo mais representativo da cidade com as cores da esperança para conscientizar sobre paz e justiça, em vez de apresentar diretrizes efetivas e políticas públicas para estabilizar a segurança. Se depender do governador Cláudio Castro e dos seus muros, será impossível ver o Cristo Redentor hoje e gerar qualquer tipo de consciência.