Rede de Observatórios de Segurança

Moralismo motiva proibição de visitas íntimas nas prisões

event 30 de março de 2023

Por Ricardo Moura*

Regulamentada por uma portaria do Ministério da Justiça publicada em 2008, as visitas íntimas nas penitenciárias federais tinham por finalidade “fortalecer as relações familiares” entre os presos e suas parceiras. O encontro deveria ocorrer em local adequado e compatível com a dignidade humana. Esse direito, contudo, poderia ser suspenso ou restringido a qualquer momento caso o preso cometesse uma falta disciplinar grave ou por causa de uma sanção aplicada pelo diretor do estabelecimento. 

Trata-se, portanto, de uma medida regrada para que os laços conjugais entre o casal se mantivessem a despeito das condições de isolamento do detento. O que deveria ser um elemento constituinte da pena tornou-se objeto de uma política moralizante que vê na proibição à visita íntima um gesto de força contra as organizações criminosas. 

Em 2017, diante da ascensão do crime organizado em todo o Brasil, as visitas íntimas foram suspensas para membros de facção criminosa, líderes de quadrilha ou pessoas que tentaram fugir da polícia. Ironicamente, os presos que fecharam acordo de delação podiam receber a visita. Esse recurso foi utilizado de forma desmedida em operações da Polícia Federal, sobretudo durante as fases da Operação Lava Jato. Teria sido um benefício a mais da Justiça na ânsia de efetuar prisões aos montes?

Em fevereiro de 2019, uma das primeiras medidas tomadas pelo então ministro da da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi regulamentar a “visita social” nos presídios federais, que passou a ocorrer somente nos parlatórios e por videoconferência. 

Naquele mesmo ano, o secretário da Administração Penitenciária do Estado do Ceará (SAP), Mauro Albuquerque, publicou uma portaria que restringia as visitas íntimas nos presídios cearenses. O texto da norma é um claro exemplo de como a pauta moral está presente: “Art. 36. A visita íntima, considerada uma regalia, poderá ser concedida a pessoa privada de liberdade, de forma excepcional e esporádica, desde que preenchidos os requisitos de comportamento, disciplina e a realização do cadastro de cônjuge”. Ou seja, a manutenção da relação familiar por meio da intimidade sexual é compreendida como uma “regalia”, uma recompensa concedida aos presos, desconsiderando o contexto da dignidade humana e das próprias responsabilidades do detento com sua família. 

Além disso, a portaria estabeleceu que as visitas só poderiam ocorrer em unidades prisionais que contassem com “local apropriado destinado para tal finalidade”. Se os presídios não dispuserem dessa acomodação nada feito. Entre as reivindicações que motivaram os atentados no Rio Grande do Norte, recentemente, as visitas íntimas também constavam na lista. 

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicou uma resolução em 2021, na qual recomendou aos departamentos penitenciários estaduais que fosse assegurado o direito à visita íntima à pessoa presa, recolhida nos estabelecimentos prisionais. O Movimento pela Vida das Pessoas Encarceradas do Ceará (Movipece) lançou uma campanha pela regulamentação da visita íntima nas prisões do Ceará tendo essa resolução como subsídio. 

É preciso que essa questão seja vista como um direito do preso e também das famílias e não a partir da ótica do populismo penal que vê as restrições como uma forma de punição extra, como se a sexualidade do detento pudesse também estar sob o jugo do Estado. Se a ideia é ressocializar, urge que o debate sobre o sistema penal ocorra de forma madura sem ficar refém das pautas morais. 

 Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios*

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