Rede de Observatórios de Segurança

O paradoxo da segurança pública nos governos progressistas

event 17 de agosto de 2023

Por Ricardo Moura*

Em entrevista concedida esta semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, defendeu a criação de uma espécie de “marco legal” para as estatísticas de criminalidade e violência letal. Ao mesmo tempo, ele questionou os dados produzidos por ONGs sobre o assunto. Vale ressaltar que a Rede de Observatórios opera por meio de uma metodologia baseada na produção cidadã de dados, indo além dos meros registros oficiais.

A afirmação do ministro foi alvo de críticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que publica anualmente um compilado consolidado de dados e informações sobre o tema. O anuário editado pelo Fórum serve como referência para estudiosos e órgãos de segurança de todo o país.

A presença de atores independentes na área da segurança representa um ganho para a sociedade. A Rede de Observatórios compreende a violência de uma maneira mais ampla. O registro de operações policiais é uma ferramenta fundamental para a discussão sobre como as políticas vêm sendo executadas e como os recursos estão sendo empregados, por exemplo. Seria muita ingenuidade acreditar que as próprias secretarias fariam tal contabilidade, tornando-a pública para a população.

A afirmação de Rui Costa acende um alerta sobre os rumos a serem tomados pelo Governo Federal no campo da segurança. Os governos progressistas vivem um paradoxo de adotar as mesmas políticas tradicionais de governos conservadores quando se trata desse tema. Essa experiência nunca se provou exitosa. Chega a ser inadmissível manter a mesma postura diante de tantas provas em contrário.

A Bahia, estado governado por Rui Costa até o ano passado, chegou a ser questionada diversas vezes pela falta de transparência no compartilhamento de suas estatísticas. O Estado teve ainda um acréscimo em seus índices de violência policial. Em apenas um ano, mais pessoas foram mortas pela polícia baiana do que por toda a polícia dos Estados Unidos

Os alvos são sempre os mesmos: a população pobre, preta e periférica. Era de se esperar que uma gestão do PT apresentasse diferenças no que diz respeito à letalidade policial, mas o que se vê, na prática, é a repetição de padrões de policiamento em que o cidadão é visto como um inimigo a ser combatido.

Esse modelo recebeu críticas até mesmo de pessoas de dentro do partido. Valter Pomar, membro do diretório nacional do PT, afirma que a proposta de desmilitarização das polícias encontra obstáculos em figuras como Rui Costa. 

“Um dos que falou contra a emenda usou, como argumento, que isso resvalaria em nossos governos. Usou o plural, mas sua preocupação era com um governo específico, o da Bahia. O argumento impressionou muita gente. Inclusive a mim, no meu caso porque me lembrou o argumento utilizado por aquele ministro que substituiu FHC, segundo o qual o que é ruim a gente esconde. Mas certas coisas não há como esconder”, disse Pomar.

O debate está em aberto. O campo da política é repleto de tensões. No entanto, se queremos mudanças mais profundas no modo de atuação das polícias, que parecem agir atualmente sem qualquer tipo de supervisão, a sociedade civil precisa ser uma voz ativa e o seu trabalho não pode ser desqualificado.  

Ricardo Moura é consultor para o Nordeste na Rede de Observatórios.*

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